Com
o aumento da esperança média de vida e, consequentemente, com a existência de
um maior número de pessoas idosas na comunidade, urge dirigir o foco da nossa
atenção para as necessidades específicas desta população, as quais podem ir muito
para além do que, à primeira vista, possa parecer óbvio. Uma dessas necessidades
prende-se com um aspeto que, socialmente, se revela ainda um pouco tímido: a
sexualidade. A sexualidade na terceira idade é um tema que continua a ser pouco
explorado, constituindo-se, frequentemente, como um assunto tabu, que peca pela
associação de mitos, crenças ou ideias desajustadas que se afastam da realidade
sentida nessa fase da vida, designada por envelhecimento.
A
sexualidade humana, na conjugação de fatores biológicos, psicológicos e socioculturais,
é um processo que acompanha o individuo ao longo da vida e do seu
desenvolvimento e, como tal, na sua essência, o seu real significado não se
altera com a idade, no sentido em que, o conceito de sexualidade vai muito para
além do ato sexual/relação sexual, sendo essa apenas uma das formas de a mesma
se manifestar. Sexualidade não é, exclusivamente, sinónimo de procriação e
genitalidade. A sexualidade constitui-se como parte integrante da identidade do
indivíduo, encontra-se na forma como a pessoa se expressa, como vive o seu
papel de género (masculino ou feminino). É a expressão de afeto, sentimentos,
erotismo, amor, intimidade - a expressão de tudo o que o indivíduo é como
pessoa, com influência na forma como pensa, sente e age.
O
envelhecimento, como fenómeno multidimensional, acarreta alterações a vários
níveis (biológico, psicológico e sociocultural) trazendo inevitáveis consequências
para o modo como a pessoa vivencia a sua sexualidade nessa fase da vida. Aliado
a um menor vigor físico e psíquico, surgem questões socioculturais que,
passando de geração em geração, definem a forma como a sociedade encara e se
relaciona com o idoso. Assim, há um conjunto de mitos, particularmente em torno
da sexualidade da pessoa idosa, que importa ir
continuamente desconstruindo, para se poder obter uma maior e melhor
compreensão da vivência (desejavelmente saudável) da sexualidade na terceira idade.
Muitas
vezes, o idoso é visto como alguém que não tem interesses sexuais, e, quando os
tem, é (não raras vezes) rotulado de perverso e inadequado. Nesta questão
entram, invariavelmente, as diferenças de género, na medida em que o modo como
a sociedade encara a sexualidade no idoso é distinta do modo como encara a
sexualidade na idosa. Estas diferenças continuam a verificar-se, apesar da
revolucionária mudança nos papéis sexuais (século XX): a introdução de novos
métodos que alteraram a configuração das relações sexuais, as quais deixaram de
ter um papel exclusivamente reprodutivo para serem encaradas como meio para
obter prazer e satisfação; assim como a mudança no papel sexual da mulher, a
qual deixou de ter um papel passivo, cujos únicos objetivos eram satisfazer o
homem (quando ele assim o desejasse) e ser capaz de gerar um filho, passando a
ter também direito ao reconhecimento da sua sexualidade e a usar o sexo para
obter prazer. Estas ideias erróneas relativamente à sexualidade na idade
avançada estão igualmente relacionadas com o modelo de sexualidade socialmente
dominante, no qual se verifica o culto do jovem e a rejeição do “velho”, sendo
assim a pessoa idosa caracterizada como um ser “assexuado”, um ser que vê a sua
sexualidade anulada por estereótipos e preconceitos culturalmente fabricados. Estamos,
igualmente, perante um duplo padrão de envelhecimento que, uma vez mais,
acentua as diferenças de papéis sexuais associados ao género, desfavorecendo a
mulher, considerada inelegível numa idade mais precoce que o homem. Este, por
sua vez, ainda que menos atraente, permanece, até uma idade mais avançada, como
parceiro aceitável, inclusive para uma mulher mais jovem. Há, portanto, uma
maior valorização da aparência, da imagem e de um corpo atrativos na mulher
(comprometendo, assim, a capacidade de sedução com o envelhecimento), enquanto
no homem se valoriza a experiência, o estatuto e a competência.
Envelhecimento
do corpo (capacidade de sedução/atração ameaçada), doenças (físicas e/ou
mentais), dor, perda de capacidades físicas (menor vigor sexual), viuvez/luto
(que implica a perda de parceiro/a), diminuição ou restrição da rede de
relações sociais (caracterizada pela acumulação de perdas e separações), menor
auto-estima, maior vulnerabilidade, bem como a institucionalização/viver com os
filhos, são alguns determinantes que configuram uma vivência diferente (mas não
menos importante) da sexualidade na terceira idade. Porém, apesar das
alterações próprias do envelhecimento e dos estereótipos sociais existentes, a
sexualidade na terceira idade é uma realidade, que deve ser considerada,
valorizada, explorada e respeitada. Se por um lado há fatores que impedem a
pessoa de viver a sexualidade com o vigor de outrora, há também, por outro lado,
dois dos maiores tesouros do envelhecimento: a experiência e a sabedoria. São
estes ingredientes essenciais que, ao dotarem a pessoa de um maior autoconhecimento
e conhecimento do outro e do mundo das relações e dos afetos, lhe conferem o
poder (ou parte dele) de encontrar formas alternativas de vivenciar
saudavelmente a sexualidade nesta fase final do desenvolvimento humano. Essas
formas alternativas à relação sexual como forma de o idoso expressar a sua
sexualidade passam pela deslocação da ênfase da genitalidade e no modelo jovem
de atividade sexual, valorizando a comunicação afetiva, a partilha, o afeto, o
toque, o carinho, o contacto corporal, relações sexuais mais lentas e centradas
na carícia mútua e comunicação. Uma oportunidade para o idoso desfrutar da
vivência da sexualidade de uma forma terna e plena, respeitando os seus valores
e a sua história e ressignificando experiências.
Contudo,
para um grande número de idosos é difícil ter ou manter um parceiro sexual.
Quando tal facto se verifica por viuvez, há, frequentemente, o receio ou recusa
(principalmente nas mulheres) de não iniciar uma nova relação, com o intuito de
manter fidelidade ao cônjuge falecido (ou porque culturalmente foi ensinada que
tal comportamento seria mal visto pelos outros, pela sociedade). Por sua vez,
os idosos institucionalizados, ou que vivem com os filhos, lidam com outro tipo
de entraves, pois vivem num meio no qual as suas atividades diárias se
encontram mais controladas/vigiadas (por técnicos/cuidadores formais ou
informais) e que limitam a rede e tipo de relações. Em muitos casos, não há
permissão para namoros ou algum tipo de contacto sexual, verificando-se a
inexistência de privacidade para tal. Este tipo de situações, principalmente
com idosos institucionalizados ocorre, por vezes, ainda que se trate de uma
relação marital (marido e mulher). Esta limitação, que em alguns casos se
verifica necessária (por exemplo em casos de demência avançada nos quais o/a
idoso/a se encontra em condições demasiado vulneráveis que o/a incapacitem de
manter um relacionamento com consentimento, evitando a exploração), noutros
casos poderá refletir a necessidade de uma maior sensibilização de quem lida diariamente
com os idosos, sejam instituições ou familiares. De um modo geral, parece haver
um certo esquecimento ou desvalorização da componente sexual da pessoa idosa e uma
falta de preparação para aceitar e lidar com a expressão da mesma. Neste
sentido, parece que estamos perante uma necessidade indubitável de trabalhar na direção da mudança.
Necessidade de provocar uma (des)construção de mentalidades e comportamentos,
em prol da melhoria da qualidade de vida dos idosos, a qual passa, entre muitos
outros fatores, pela atenção às questões da sexualidade. Como? Criando
medidas/ações de sensibilização ou psicoeducação em torno da “educação para a sexualidade
na terceira idade”, aceitando e reconhecendo que a sexualidade na terceira
idade é um aspeto do desenvolvimento humano que não deve ser ignorado, criando
espaço na comunidade para refletir e falar sobre as mesmas e sobre a
sexualidade no processo de envelhecimento, sensibilizando a comunidade,
instituições e familiares para necessidades que têm vindo a ser desvalorizadas,
fornecendo aos cuidadores maior formação que os permita atuar de forma adequada
a cada caso, dar permissão a comportamentos (desde que ajustados às realidades
individuais), permitindo uma adequada manifestação da sexualidade (com a devida
atenção para a necessidade de monitorização e redireccionamento), criar espaços
de informação e aconselhamento aos idosos (de modo a que possam expor as suas
dificuldades e necessidades, não esquecendo a importância da prevenção,
alertando para os riscos associados; aconselhando de forma realista e
motivadora, respeitando crenças, vivências e individualidades).
Portanto,
a promoção do envelhecimento ativo e saudável, que passa pela aceitação do
envelhecimento como processo natural, a manutenção de objetivos e de atividades
sociais e diárias e a avaliação regular do estado de saúde (entre outros), não
deve desconsiderar a manutenção do exercício da sexualidade como um dos
princípios essenciais. “Use it or lose
it” - mais que uma boa saúde física e mental, a regularidade na expressão
sexual é premissa chave para a vivência (tão saudável quanto possível) da
sexualidade na fase mais avançada do desenvolvimento humano.
Texto criado por
Vera Santos
(psicóloga)
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