sexta-feira, 13 de maio de 2016

Sexualidade na Terceira Idade: uma realidade socialmente (des)construída



Com o aumento da esperança média de vida e, consequentemente, com a existência de um maior número de pessoas idosas na comunidade, urge dirigir o foco da nossa atenção para as necessidades específicas desta população, as quais podem ir muito para além do que, à primeira vista, possa parecer óbvio. Uma dessas necessidades prende-se com um aspeto que, socialmente, se revela ainda um pouco tímido: a sexualidade. A sexualidade na terceira idade é um tema que continua a ser pouco explorado, constituindo-se, frequentemente, como um assunto tabu, que peca pela associação de mitos, crenças ou ideias desajustadas que se afastam da realidade sentida nessa fase da vida, designada por envelhecimento.
A sexualidade humana, na conjugação de fatores biológicos, psicológicos e socioculturais, é um processo que acompanha o individuo ao longo da vida e do seu desenvolvimento e, como tal, na sua essência, o seu real significado não se altera com a idade, no sentido em que, o conceito de sexualidade vai muito para além do ato sexual/relação sexual, sendo essa apenas uma das formas de a mesma se manifestar. Sexualidade não é, exclusivamente, sinónimo de procriação e genitalidade. A sexualidade constitui-se como parte integrante da identidade do indivíduo, encontra-se na forma como a pessoa se expressa, como vive o seu papel de género (masculino ou feminino). É a expressão de afeto, sentimentos, erotismo, amor, intimidade - a expressão de tudo o que o indivíduo é como pessoa, com influência na forma como pensa, sente e age.
O envelhecimento, como fenómeno multidimensional, acarreta alterações a vários níveis (biológico, psicológico e sociocultural) trazendo inevitáveis consequências para o modo como a pessoa vivencia a sua sexualidade nessa fase da vida. Aliado a um menor vigor físico e psíquico, surgem questões socioculturais que, passando de geração em geração, definem a forma como a sociedade encara e se relaciona com o idoso. Assim, há um conjunto de mitos, particularmente em torno da sexualidade da pessoa idosa, que importa ir continuamente desconstruindo, para se poder obter uma maior e melhor compreensão da vivência (desejavelmente saudável) da sexualidade na terceira idade.
Muitas vezes, o idoso é visto como alguém que não tem interesses sexuais, e, quando os tem, é (não raras vezes) rotulado de perverso e inadequado. Nesta questão entram, invariavelmente, as diferenças de género, na medida em que o modo como a sociedade encara a sexualidade no idoso é distinta do modo como encara a sexualidade na idosa. Estas diferenças continuam a verificar-se, apesar da revolucionária mudança nos papéis sexuais (século XX): a introdução de novos métodos que alteraram a configuração das relações sexuais, as quais deixaram de ter um papel exclusivamente reprodutivo para serem encaradas como meio para obter prazer e satisfação; assim como a mudança no papel sexual da mulher, a qual deixou de ter um papel passivo, cujos únicos objetivos eram satisfazer o homem (quando ele assim o desejasse) e ser capaz de gerar um filho, passando a ter também direito ao reconhecimento da sua sexualidade e a usar o sexo para obter prazer. Estas ideias erróneas relativamente à sexualidade na idade avançada estão igualmente relacionadas com o modelo de sexualidade socialmente dominante, no qual se verifica o culto do jovem e a rejeição do “velho”, sendo assim a pessoa idosa caracterizada como um ser “assexuado”, um ser que vê a sua sexualidade anulada por estereótipos e preconceitos culturalmente fabricados. Estamos, igualmente, perante um duplo padrão de envelhecimento que, uma vez mais, acentua as diferenças de papéis sexuais associados ao género, desfavorecendo a mulher, considerada inelegível numa idade mais precoce que o homem. Este, por sua vez, ainda que menos atraente, permanece, até uma idade mais avançada, como parceiro aceitável, inclusive para uma mulher mais jovem. Há, portanto, uma maior valorização da aparência, da imagem e de um corpo atrativos na mulher (comprometendo, assim, a capacidade de sedução com o envelhecimento), enquanto no homem se valoriza a experiência, o estatuto e a competência.
Envelhecimento do corpo (capacidade de sedução/atração ameaçada), doenças (físicas e/ou mentais), dor, perda de capacidades físicas (menor vigor sexual), viuvez/luto (que implica a perda de parceiro/a), diminuição ou restrição da rede de relações sociais (caracterizada pela acumulação de perdas e separações), menor auto-estima, maior vulnerabilidade, bem como a institucionalização/viver com os filhos, são alguns determinantes que configuram uma vivência diferente (mas não menos importante) da sexualidade na terceira idade. Porém, apesar das alterações próprias do envelhecimento e dos estereótipos sociais existentes, a sexualidade na terceira idade é uma realidade, que deve ser considerada, valorizada, explorada e respeitada. Se por um lado há fatores que impedem a pessoa de viver a sexualidade com o vigor de outrora, há também, por outro lado, dois dos maiores tesouros do envelhecimento: a experiência e a sabedoria. São estes ingredientes essenciais que, ao dotarem a pessoa de um maior autoconhecimento e conhecimento do outro e do mundo das relações e dos afetos, lhe conferem o poder (ou parte dele) de encontrar formas alternativas de vivenciar saudavelmente a sexualidade nesta fase final do desenvolvimento humano. Essas formas alternativas à relação sexual como forma de o idoso expressar a sua sexualidade passam pela deslocação da ênfase da genitalidade e no modelo jovem de atividade sexual, valorizando a comunicação afetiva, a partilha, o afeto, o toque, o carinho, o contacto corporal, relações sexuais mais lentas e centradas na carícia mútua e comunicação. Uma oportunidade para o idoso desfrutar da vivência da sexualidade de uma forma terna e plena, respeitando os seus valores e a sua história e ressignificando experiências.
Contudo, para um grande número de idosos é difícil ter ou manter um parceiro sexual. Quando tal facto se verifica por viuvez, há, frequentemente, o receio ou recusa (principalmente nas mulheres) de não iniciar uma nova relação, com o intuito de manter fidelidade ao cônjuge falecido (ou porque culturalmente foi ensinada que tal comportamento seria mal visto pelos outros, pela sociedade). Por sua vez, os idosos institucionalizados, ou que vivem com os filhos, lidam com outro tipo de entraves, pois vivem num meio no qual as suas atividades diárias se encontram mais controladas/vigiadas (por técnicos/cuidadores formais ou informais) e que limitam a rede e tipo de relações. Em muitos casos, não há permissão para namoros ou algum tipo de contacto sexual, verificando-se a inexistência de privacidade para tal. Este tipo de situações, principalmente com idosos institucionalizados ocorre, por vezes, ainda que se trate de uma relação marital (marido e mulher). Esta limitação, que em alguns casos se verifica necessária (por exemplo em casos de demência avançada nos quais o/a idoso/a se encontra em condições demasiado vulneráveis que o/a incapacitem de manter um relacionamento com consentimento, evitando a exploração), noutros casos poderá refletir a necessidade de uma maior sensibilização de quem lida diariamente com os idosos, sejam instituições ou familiares. De um modo geral, parece haver um certo esquecimento ou desvalorização da componente sexual da pessoa idosa e uma falta de preparação para aceitar e lidar com a expressão da mesma. Neste sentido, parece que estamos perante uma necessidade indubitável de trabalhar na direção da mudança. Necessidade de provocar uma (des)construção de mentalidades e comportamentos, em prol da melhoria da qualidade de vida dos idosos, a qual passa, entre muitos outros fatores, pela atenção às questões da sexualidade. Como? Criando medidas/ações de sensibilização ou psicoeducação em torno da “educação para a sexualidade na terceira idade”, aceitando e reconhecendo que a sexualidade na terceira idade é um aspeto do desenvolvimento humano que não deve ser ignorado, criando espaço na comunidade para refletir e falar sobre as mesmas e sobre a sexualidade no processo de envelhecimento, sensibilizando a comunidade, instituições e familiares para necessidades que têm vindo a ser desvalorizadas, fornecendo aos cuidadores maior formação que os permita atuar de forma adequada a cada caso, dar permissão a comportamentos (desde que ajustados às realidades individuais), permitindo uma adequada manifestação da sexualidade (com a devida atenção para a necessidade de monitorização e redireccionamento), criar espaços de informação e aconselhamento aos idosos (de modo a que possam expor as suas dificuldades e necessidades, não esquecendo a importância da prevenção, alertando para os riscos associados; aconselhando de forma realista e motivadora, respeitando crenças, vivências e individualidades).
Portanto, a promoção do envelhecimento ativo e saudável, que passa pela aceitação do envelhecimento como processo natural, a manutenção de objetivos e de atividades sociais e diárias e a avaliação regular do estado de saúde (entre outros), não deve desconsiderar a manutenção do exercício da sexualidade como um dos princípios essenciais. “Use it or lose it” - mais que uma boa saúde física e mental, a regularidade na expressão sexual é premissa chave para a vivência (tão saudável quanto possível) da sexualidade na fase mais avançada do desenvolvimento humano.

Texto criado por 
Vera Santos 
(psicóloga)

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