quinta-feira, 30 de maio de 2013

A raiz da amizade




Ser amigo de alguém não é o fruto saboroso de um mero acaso. Ser amigo de alguém é o fruto saboroso de uma sábia construção (que inicia, ou deve iniciar, bem cedo na nossa vida). Já ouviram dizer várias vezes que a (boa) sorte é consequência de muito trabalho e de capacidade de iniciativa (eis alguns exemplos de expressões deste tipo: «A (boa) sorte procura-se e nós procurámo-la!»; «Se tivemos (boa) sorte foi porque fizemos por isso, arriscamos!»). No meu ponto de vista, esta afirmação tem um grande fundo de verdade e é transponível para a (construção da) amizade. As boas pessoas que surgem na nossa vida (a tal (boa) sorte), e que, por vezes, se tornam eternas amigas, aparecem (e ficam) porque nós agimos de alguma forma, avançamos para algum lado, mostramo-nos disponíveis na abordagem com as mesmas e permitimo-nos abrir para um compromisso mais sério, desafiante e prazeroso. Assim, creio que se, na maior parte dos nossos dias, nos abrirmos ao mundo prezando o contacto social, com atitudes e comportamentos positivos (que requerem um treino/trabalho prévio, individual e relacional), vamos encontrar muitas pessoas fabulosas que se podem tornar muitíssimo especiais durante a maior parte do tempo da nossa existência, podendo mesmo vincular-se a nós pela eternidade da vida. Daí podermos afirmar que a raiz da amizade surge muito antes de encetarmos uma relação interpessoal deste tipo. A árvore antes de ser plantada no solo já está preparada para desenvolver uma aliança imensamente bela, rumo a um crescimento saudável, com vários fundamentais protagonistas (num processo conjunto). Tenhamos a natureza como um modelo fidedigno que nos permita aumentar as potencialidades para adquirirmos competências para socializarmos harmoniosamente. Desde o início da nossa vida devemos enraizar modelos positivos para a construção das relações interpessoais. Se assim o fizermos (e «nos fizerem», através da transmissão de conhecimentos – preferencialmente exemplificados nas práticas diárias – que as figuras significativas e os outros agentes influenciadores nos passam), a vida ganha uma nova cor e tornamo-nos mais fortes na defesa dos valores essenciais da sociedade. Permitimos, assim, que através de fenómenos societais de grande envergadura caminhemos num sentido divergente (e sempre pacífico) relativamente a todos aqueles que, através de métodos negativamente influenciadores, querem impor-se para salvaguardarem os seus interesses fundamentalmente economicistas (e continuarem a alimentar a ânsia desmedida pelo poder). Muitas vezes os seus reais objetivos estão mascarados (isto é, inacessíveis à nossa vista e encobertos com «mentiras atrativas», criando um efeito de cegueira à sociedade), por isso devemos estar bem atentos. Não deixem que arranquem a nossa raiz dos solos onde iniciamos uma transformação inspiradora, inegavelmente útil e sem limite de validade. Protejam-se e ajudem a sociedade a proteger-se, germinando valores sociais e comunitários de excelência (sem a pretensão de entrar para algum ranking ou receber uma condecoração). Sê amigo, cria laços de amizade e sente a beleza da vida no interior das relações interpessoais. Criar laços de amizade é enraizarmo-nos ao coração das pessoas. Este fenómeno aumenta os nossos níveis de aceitação, compreensão, tolerância e solidariedade, o que significa que adquirimos mais e melhores ferramentas para vivermos harmoniosamente em sociedade, com amor pela(s) vida(s).
Deixo um pedaço de magia de José Saramago, extraído do livro Ensaio sobre a cegueira, para que sintam um exemplo clarificador da mensagem que estou a passar: 

«O cego […] desamparado, no meio da rua, sentindo que o chão lhe fugia debaixo dos pés, tentou conter a aflição que lhe subia pela garganta. Agitava as mãos à frente da cara, nervosamente, como se nadasse naquilo a que chamara um mar de leite, mas a boca já se lhe abria para lançar um grito de socorro, foi no último momento que a mão do outro lhe tocou de leve no braço, Acalme-se, eu levo-o.».

Sem comentários:

Enviar um comentário