Ser
amigo de alguém não é o fruto saboroso de um mero acaso. Ser amigo de alguém é
o fruto saboroso de uma sábia construção (que inicia, ou deve iniciar, bem cedo
na nossa vida). Já ouviram dizer várias vezes que a (boa) sorte é consequência
de muito trabalho e de capacidade de iniciativa (eis alguns exemplos de
expressões deste tipo: «A (boa) sorte procura-se e nós procurámo-la!»; «Se
tivemos (boa) sorte foi porque fizemos por isso, arriscamos!»). No meu ponto de
vista, esta afirmação tem um grande fundo de verdade e é transponível para a
(construção da) amizade. As boas pessoas que surgem na nossa vida (a tal (boa)
sorte), e que, por vezes, se tornam eternas amigas, aparecem (e ficam) porque
nós agimos de alguma forma, avançamos para algum lado, mostramo-nos disponíveis
na abordagem com as mesmas e permitimo-nos abrir para um compromisso mais
sério, desafiante e prazeroso. Assim, creio que se, na maior parte dos nossos
dias, nos abrirmos ao mundo prezando o contacto social, com atitudes e
comportamentos positivos (que requerem um treino/trabalho prévio, individual e
relacional), vamos encontrar muitas pessoas fabulosas que se podem tornar
muitíssimo especiais durante a maior parte do tempo da nossa existência,
podendo mesmo vincular-se a nós pela eternidade da vida. Daí podermos afirmar
que a raiz da amizade surge muito antes de encetarmos uma relação interpessoal
deste tipo. A árvore antes de ser plantada no solo já está preparada para
desenvolver uma aliança imensamente bela, rumo a um crescimento saudável, com
vários fundamentais protagonistas (num processo conjunto). Tenhamos a natureza
como um modelo fidedigno que nos permita aumentar as potencialidades para
adquirirmos competências para socializarmos harmoniosamente. Desde o início da
nossa vida devemos enraizar modelos positivos para a construção das relações
interpessoais. Se assim o fizermos (e «nos fizerem», através da transmissão de
conhecimentos – preferencialmente exemplificados nas práticas diárias – que as
figuras significativas e os outros agentes influenciadores nos passam), a vida
ganha uma nova cor e tornamo-nos mais fortes na defesa dos valores essenciais
da sociedade. Permitimos, assim, que através de fenómenos societais de grande
envergadura caminhemos num sentido divergente (e sempre pacífico) relativamente
a todos aqueles que, através de métodos negativamente influenciadores, querem
impor-se para salvaguardarem os seus interesses fundamentalmente economicistas
(e continuarem a alimentar a ânsia desmedida pelo poder). Muitas vezes os seus
reais objetivos estão mascarados (isto é, inacessíveis à nossa vista e
encobertos com «mentiras atrativas», criando um efeito de cegueira à
sociedade), por isso devemos estar bem atentos. Não deixem que arranquem a
nossa raiz dos solos onde iniciamos uma transformação inspiradora,
inegavelmente útil e sem limite de validade. Protejam-se e ajudem a sociedade a
proteger-se, germinando valores sociais e comunitários de excelência (sem a
pretensão de entrar para algum ranking
ou receber uma condecoração). Sê amigo, cria laços de amizade e sente a beleza
da vida no interior das relações interpessoais. Criar laços de amizade é
enraizarmo-nos ao coração das pessoas. Este fenómeno aumenta os nossos níveis
de aceitação, compreensão, tolerância e solidariedade, o que significa que
adquirimos mais e melhores ferramentas para vivermos harmoniosamente em
sociedade, com amor pela(s) vida(s).
Deixo
um pedaço de magia de José Saramago, extraído do livro Ensaio sobre a cegueira, para que sintam um exemplo clarificador da
mensagem que estou a passar:
«O cego […]
desamparado, no meio da rua, sentindo que o chão lhe fugia debaixo dos pés,
tentou conter a aflição que lhe subia pela garganta. Agitava as mãos à frente
da cara, nervosamente, como se nadasse naquilo a que chamara um mar de leite,
mas a boca já se lhe abria para lançar um grito de socorro, foi no último
momento que a mão do outro lhe tocou de leve no braço, Acalme-se, eu levo-o.».

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