quinta-feira, 12 de junho de 2014

Escutar para transformar





A partilha da mensagem
As pessoas estão frequentemente a partilhar mensagens entre si (não estou propriamente a referir-me às mensagens escritas no telemóvel). Efemeridades, conhecimento científico, produções artísticas, opiniões provenientes de longas contemplações, excertos de leituras correntes, entre outros (tipos de) conteúdos. É a vontade e a necessidade de partilhar com mais alguém e de vivenciar uma transformação discursiva e comportamental. É a liberdade de expressão, a confiança no outro, a vivência em sociedade, a energia da paixão pela vida, a valorização dos outros seres com quem coabitamos (no mesmo planeta) e a abertura a uma aprendizagem nas relações interpessoais. É apreciável e essencial a existência desta intercomunicação. Sem ela como é que o conhecimento evoluía e como é que conseguiríamos saber quais as várias necessidades das pessoas para poder apoiá-las?

A ausência de escuta
Atualmente, num mundo em que (passam a mensagem que) o indivíduo é mais importante que a sociedade, a tarefa de conseguirmos que alguém nos escute torna-se muito complicada. A capacidade e a vontade de escutar esvanece-se em muitos contextos do quotidiano (inclusivamente na família). Não há disponibilidade e muito menos paciência. Por vezes, há toda uma agitação e um empolgamento em prol do que se vai dizer que quando o outro está a falar já estamos a pensar «quando é que ele se cala para eu poder falar?», ou ficamos em modo pausa para depois retomarmos quando se iniciar um breve silêncio (sem contar com as situações em que se «atropela» o outro no seu discurso). Outras vezes, o recetor alheia-se dessa função, concentrando-se dentro de si próprio ou num mundo virtual qualquer. Ou seja, as mensagens estão a ser passadas para os próprios emissores. É um círculo vicioso em torno de si próprio (mesmo que a vontade não seja essa). Será essa ausência de escuta (e feedback) uma das explicações para o facto das pessoas começarem a optar por virar a sua atenção para os telemóveis, tablets e afins, quando estão umas com as outras, ou essa viragem para a tecnologia é o efeito da centração excessiva dos indivíduos em si próprios e que, assim, origina a ausência de comunicação real entre todos?

Um exemplo da modernidade 
Por exemplo, no atual mundo do empreendedorismo, onde a autopromoção é essencial para o sucesso, muitas vezes a mensagem do protagonista é direcionada para a própria pessoa porque os outros não querem envolver-se, sentem-se concorrentes (mesmo não estando em concorrência direta, num ponto que seja – efeito da competição feroz e cega entre indivíduos) ou estão mais preocupados com os prognósticos do (in)sucesso do outro (estando aptos a dar uma força para saírem da pista na primeira derrapagem, algo que já podiam prever desde o início!). Assim, esta autopromoção com fins profissionais tem, no limite, um público bastante reduzido: a própria pessoa. Logo, a eficácia é muito próxima do zero e as ideias (que até poderiam beneficiar alguém de uma forma direta e significativa) voam para o alto mar (sem posterior pedido de buscas).

Uma necessidade premente: pessoas que escutem
«Escutantes» precisam-se! Estou a falar de «escutantes» a sério! Aqueles que refletem e proporcionam episódios de reflexão conjunta, num contexto de partilha aberto e desafiante. Podem voltar a ler a frase anterior, pois é desse tipo de «escutantes» que estou a falar. Estar atento ao que os outros têm para dizer deve ser uma grande maçada! Mudar o comportamento custa tanto! Deve ser preferível viver na «zona de conforto» (questiono se será um verdadeiro conforto). «Escutantes» precisam-se!

Disponibilidade, abertura para a mudança, confiança, aceitação, aprendizagem, partilha, …
 Temos que nos mostrar mais disponíveis. Temos que aumentar nos outros a eficácia das suas palavras (e da própria pessoa). Isso depende, em grande parte, da nossa vontade e capacidade de aceitação do outro e de aprendizagem com ele. Só se está apto a aprender com os outros se os aceitarmos, mas depois temos que escutá-los para que possamos saber o que eles estão a dizer e como é que podemos contribuir para algo construtivo (para ambos). A forma mais eficiente de aceitar alguém é começar por confiar nela (nos seus valores e no seu conhecimento). Mas, o problema pode estar aí mesmo. A grande dificuldade na sociedade atual tem sido percecionar confiança «além-fronteiras» (isto é, para além de nós próprios)! Os modelos pelos quais nos guiamos nem sempre são os melhores, mas o nosso poder de escolha pode ajudar-nos a não seguir tais referências e a garantir uma melhor seleção (desde que sejamos nós mesmos a fazer essa seleção – sem medo de mudar). Desta forma, aumentaremos a capacidade de confiar nos outros, logo estaremos mais motivados para aprendermos e partilharmos aprendizagens (co-construídas).   
           
As paradoxalidades e o exemplo político
 Se a confiança demora a ser construída para alguns, para outros surge como a chuva num dia de inverno e dura como o calor num dia de verão (se estivermos a falar dos extremos habituais das estações do ano). A sociedade vive de paradoxalidades e esta temática não foge à regra. Há muitas pessoas que recebem toda a atenção, ou seja, são aceites, mesmo sem haver razões razoáveis que permitam confiar nelas. Há, sobretudo, razões estéticas que, mesmo com interiores desarrumados e falseadores, se sobrepõe a conteúdos validamente alicerçados (pior ainda: ignorando ou rejeitando estes últimos). Há, assim, uma falta de coerência neste processo (aliada a uma grande comodidade intelectual) que varia, sem critérios rigorosos, entre a extrema rigidez e a flexibilidade total, em que a estética e a «imagem social» (mediática ou não) se sobrepõem ao conteúdo sério (sendo que este último pode albergar em si mesmo um grande potencial de positiva transformação pessoal e social). É por este facto que muitos políticos não se preocupam com o «diz e desdiz», com a proliferação de palavras ocas, com a falta de autenticidade e com a ausência de verdade. Eles sabem que as pessoas os apoiam pelas «caras», pela «opinião geral», pela «clubite» e pelas balelas. Eles pensam que se ninguém escuta, não vale a pena perder tempo com mensagens de conteúdo importante, claro, coerente e respeitador. Bem, afinal há aqui um registo de coerência: ninguém escuta. Logo, a paradoxalidade prende-se mais com a seleção das pessoas em quem queremos confiar, apoiar e seguir (que para uns se rege por um misto de aleatoriedade (quase como uma intuição) e de «opinião geral», e para outros por uma rigidez aparentemente baseada em critérios rigorosos), do que com a capacidade de escutar (e daí poder ajudar a criar). Há, claramente, a necessidade de confiarmos em alguém, de seguirmos modelos, de acreditarmos em alguém, de nos identificarmos com pessoas e com ideias, mas o método de seleção aleatório e baseado em critérios superficiais e imaturos será o mais correto? Se basearmos a nossa seleção no que escutamos não será mais justo e proveitoso (para nós, enquanto indivíduos, e para a sociedade, que muitas vezes limita o seu poder de crescimento e de desenvolvimento devido a opiniões individuais absolutistas e preconceituosas)?     

Temos que cultivar «massa crítica» rumo a objetivos comuns e no respeito pela diversidade de opiniões construtivas
Se as pessoas escutassem, estavam mais motivadas e preparadas para contestar, exigir clareza e obrigar a construir tudo com a devida solidez (onde entra a coerência). Onde paira a «massa crítica» da sociedade? Há um conjunto de indivíduos que têm uma «opinião própria», revestida de verdade absoluta. Lamento, mas assim não dá! Está na hora de todos sermos bons «escutantes» para que possamos lutar por um objetivo comum seriamente refletido, para que possamos verdadeiramente contribuir com a nossa opinião que faz parte da diversidade de opiniões (próprias – não opiniões apropriadas). Aí sim, por exemplo, a autopromoção, referenciada num parágrafo anterior, terá mais sucesso (desde que levada ao público com responsabilidade e seriedade – aliás, não tendo outra alternativa, face à capacidade de escuta, de aprendizagem e de crítica do público).

A coragem, a competência, a persistência, a resiliência e a solidariedade
Não me canso de dizer que é na relação com os outros (desde tenra idade) que podemos melhor crescer enquanto indivíduos e sociedade. Se nos fecharmos em nós próprios, distanciamo-nos da nossa pessoa, acorrentamos ideias e pessoas que podem trazer maior liberdade, justiça e solidariedade para todos nós, e legitimamos medidas individualistas de oportunistas. É com os outros que vamos crescer (e não é só em idade e em altura que crescemos). Podem ter que nadar ou remar contra a corrente, mas se muitos o fizeram, através da sua coragem, competência, persistência, resiliência e solidariedade, a força dessa vontade e desse comportamento unificador fará a corrente mudar o seu rumo. Essa mudança integrará todos os que quiserem lutar por maior e efetiva liberdade, mais justiça e mais solidariedade. Todos aqueles que não quiserem, serão devidamente respeitados e aprenderão que esse princípio – o respeito pelos outros – os ajudará na construção de um mundo melhor.

Sem comentários:

Enviar um comentário