A partilha da mensagem
As
pessoas estão frequentemente a partilhar mensagens entre si (não estou
propriamente a referir-me às mensagens
escritas no telemóvel). Efemeridades, conhecimento científico, produções
artísticas, opiniões provenientes de longas contemplações, excertos de leituras
correntes, entre outros (tipos de) conteúdos. É a vontade e a necessidade de
partilhar com mais alguém e de vivenciar uma transformação discursiva e
comportamental. É a liberdade de expressão, a confiança no outro, a vivência em
sociedade, a energia da paixão pela vida, a valorização dos outros seres com
quem coabitamos (no mesmo planeta) e a abertura a uma aprendizagem nas relações
interpessoais. É apreciável e essencial a existência desta intercomunicação.
Sem ela como é que o conhecimento evoluía e como é que conseguiríamos saber
quais as várias necessidades das pessoas para poder apoiá-las?
A ausência de escuta
Atualmente,
num mundo em que (passam a mensagem que) o indivíduo é mais importante que a
sociedade, a tarefa de conseguirmos que alguém nos escute torna-se muito
complicada. A capacidade e a vontade de escutar esvanece-se em muitos contextos
do quotidiano (inclusivamente na família). Não há disponibilidade e muito menos
paciência. Por vezes, há toda uma agitação e um empolgamento em prol do que se
vai dizer que quando o outro está a falar já estamos a pensar «quando é que ele
se cala para eu poder falar?», ou ficamos em modo pausa para depois retomarmos quando se iniciar um breve silêncio
(sem contar com as situações em que se «atropela» o outro no seu discurso).
Outras vezes, o recetor alheia-se dessa função, concentrando-se dentro de si
próprio ou num mundo virtual qualquer. Ou seja, as mensagens estão a ser
passadas para os próprios emissores. É um círculo vicioso em torno de si
próprio (mesmo que a vontade não seja essa). Será essa ausência de escuta (e feedback) uma das explicações para o
facto das pessoas começarem a optar por virar a sua atenção para os telemóveis,
tablets e afins, quando estão umas
com as outras, ou essa viragem para a tecnologia é o efeito da centração
excessiva dos indivíduos em si próprios e que, assim, origina a ausência de
comunicação real entre todos?
Um exemplo da modernidade
Por
exemplo, no atual mundo do empreendedorismo, onde a autopromoção é essencial
para o sucesso, muitas vezes a mensagem do protagonista é direcionada para a
própria pessoa porque os outros não querem envolver-se, sentem-se concorrentes
(mesmo não estando em concorrência direta, num ponto que seja – efeito da
competição feroz e cega entre indivíduos) ou estão mais preocupados com os
prognósticos do (in)sucesso do outro (estando aptos a dar uma força para saírem
da pista na primeira derrapagem, algo que já podiam prever desde o início!).
Assim, esta autopromoção com fins profissionais tem, no limite, um público
bastante reduzido: a própria pessoa. Logo, a eficácia é muito próxima do zero e
as ideias (que até poderiam beneficiar alguém de uma forma direta e
significativa) voam para o alto mar (sem posterior pedido de buscas).
Uma necessidade premente:
pessoas que escutem
«Escutantes»
precisam-se! Estou a falar de «escutantes» a sério! Aqueles que refletem e
proporcionam episódios de reflexão conjunta, num contexto de partilha aberto e
desafiante. Podem voltar a ler a frase anterior, pois é desse tipo de
«escutantes» que estou a falar. Estar atento ao que os outros têm para dizer
deve ser uma grande maçada! Mudar o comportamento custa tanto! Deve ser
preferível viver na «zona de conforto» (questiono se será um verdadeiro
conforto). «Escutantes» precisam-se!
Disponibilidade, abertura para
a mudança, confiança, aceitação, aprendizagem, partilha, …
Temos que nos mostrar mais disponíveis. Temos
que aumentar nos outros a eficácia das suas palavras (e da própria pessoa).
Isso depende, em grande parte, da nossa vontade e capacidade de aceitação do
outro e de aprendizagem com ele. Só se está apto a aprender com os outros se os
aceitarmos, mas depois temos que escutá-los para que possamos saber o que eles
estão a dizer e como é que podemos contribuir para algo construtivo (para
ambos). A forma mais eficiente de aceitar alguém é começar por confiar nela
(nos seus valores e no seu conhecimento). Mas, o problema pode estar aí mesmo.
A grande dificuldade na sociedade atual tem sido percecionar confiança «além-fronteiras»
(isto é, para além de nós próprios)! Os modelos pelos quais nos guiamos nem
sempre são os melhores, mas o nosso poder de escolha pode ajudar-nos a não
seguir tais referências e a garantir uma melhor seleção (desde que sejamos nós
mesmos a fazer essa seleção – sem medo de mudar). Desta forma, aumentaremos a
capacidade de confiar nos outros, logo estaremos mais motivados para
aprendermos e partilharmos aprendizagens (co-construídas).
As paradoxalidades e o exemplo
político
Se a confiança demora a ser construída para
alguns, para outros surge como a chuva num dia de inverno e dura como o calor
num dia de verão (se estivermos a falar dos extremos habituais das estações do
ano). A sociedade vive de paradoxalidades e esta temática não foge à regra. Há
muitas pessoas que recebem toda a atenção, ou seja, são aceites, mesmo sem
haver razões razoáveis que permitam confiar nelas. Há, sobretudo, razões
estéticas que, mesmo com interiores desarrumados e falseadores, se sobrepõe a
conteúdos validamente alicerçados (pior ainda: ignorando ou rejeitando estes
últimos). Há, assim, uma falta de coerência neste processo (aliada a uma grande
comodidade intelectual) que varia, sem critérios rigorosos, entre a extrema
rigidez e a flexibilidade total, em que a estética e a «imagem social»
(mediática ou não) se sobrepõem ao conteúdo sério (sendo que este último pode
albergar em si mesmo um grande potencial de positiva transformação pessoal e
social). É por este facto que muitos políticos não se preocupam com o «diz e desdiz»,
com a proliferação de palavras ocas, com a falta de autenticidade e com a
ausência de verdade. Eles sabem que as pessoas os apoiam pelas «caras», pela
«opinião geral», pela «clubite» e pelas balelas. Eles pensam que se ninguém
escuta, não vale a pena perder tempo com mensagens de conteúdo importante,
claro, coerente e respeitador. Bem, afinal há aqui um registo de coerência:
ninguém escuta. Logo, a paradoxalidade prende-se mais com a seleção das pessoas
em quem queremos confiar, apoiar e seguir (que para uns se rege por um misto de
aleatoriedade (quase como uma intuição) e de «opinião geral», e para outros por
uma rigidez aparentemente baseada em critérios rigorosos), do que com a
capacidade de escutar (e daí poder ajudar a criar). Há, claramente, a necessidade
de confiarmos em alguém, de seguirmos modelos, de acreditarmos em alguém, de
nos identificarmos com pessoas e com ideias, mas o método de seleção aleatório
e baseado em critérios superficiais e imaturos será o mais correto? Se
basearmos a nossa seleção no que escutamos não será mais justo e proveitoso
(para nós, enquanto indivíduos, e para a sociedade, que muitas vezes limita o
seu poder de crescimento e de desenvolvimento devido a opiniões individuais
absolutistas e preconceituosas)?
Temos que cultivar «massa
crítica» rumo a objetivos comuns e no respeito pela diversidade de opiniões
construtivas
Se
as pessoas escutassem, estavam mais motivadas e preparadas para contestar,
exigir clareza e obrigar a construir tudo com a devida solidez (onde entra a
coerência). Onde paira a «massa crítica» da sociedade? Há um conjunto de
indivíduos que têm uma «opinião própria», revestida de verdade absoluta.
Lamento, mas assim não dá! Está na hora de todos sermos bons «escutantes» para
que possamos lutar por um objetivo comum seriamente refletido, para que
possamos verdadeiramente contribuir com a nossa opinião que faz parte da
diversidade de opiniões (próprias – não opiniões apropriadas). Aí sim, por
exemplo, a autopromoção, referenciada num parágrafo anterior, terá mais sucesso
(desde que levada ao público com responsabilidade e seriedade – aliás, não
tendo outra alternativa, face à capacidade de escuta, de aprendizagem e de
crítica do público).
A coragem, a competência, a
persistência, a resiliência e a solidariedade
Não me
canso de dizer que é na relação com os outros (desde tenra idade) que podemos
melhor crescer enquanto indivíduos e sociedade. Se nos fecharmos em nós
próprios, distanciamo-nos da nossa pessoa, acorrentamos ideias e pessoas que
podem trazer maior liberdade, justiça e solidariedade para todos nós, e
legitimamos medidas individualistas de oportunistas. É com os outros que vamos
crescer (e não é só em idade e em altura que crescemos). Podem ter que nadar ou
remar contra a corrente, mas se muitos o fizeram, através da sua coragem,
competência, persistência, resiliência e solidariedade, a força dessa vontade e
desse comportamento unificador fará a corrente mudar o seu rumo. Essa mudança
integrará todos os que quiserem lutar por maior e efetiva liberdade, mais
justiça e mais solidariedade. Todos aqueles que não quiserem, serão devidamente
respeitados e aprenderão que esse princípio – o respeito pelos outros – os
ajudará na construção de um mundo melhor.
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