segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Descalça pelas pedras




São sete horas da manhã. O nascer do sol abrilhanta a humanidade. Há boas condições para um dia inesquecível. Uma bela menina parece ter acordado com muita energia no corpo e imensa atividade na mente. Despertou da dimensão do sono e dos sonhos para enfrentar um desafio real, mas apenas sabe que há um momento imperdível que espera por si. Não quer evitá-lo por nada deste mundo. O sentido desta missão é uma incógnita e não existem informações sobre a direção mais acertada. Mesmo assim (ou por isso mesmo), o seu olhar determinado move-a para a ação. Garante para si mesma que vai optar pelo caminho certo. Decide montar a sua bicicleta e prepara-se para viajar um número incerto de quilómetros. Vai chegar perto de algo majestoso. É o que ela diz intuir. A curiosidade leva-a a acelerar a cadência das pedaladas. O seu sorriso ilumina o caminho que percorre. Chega ao (primeiro) destino. Está a sair da bicicleta e o seu olhar mira uma maravilhosa árvore. É gigante! Parece interminável de tão alta que é. O tronco é imensamente largo e as raízes visíveis são imponentes. A jovem esbelta, com lágrimas no rosto, esboça um sorriso ardente. Está emocionada com tamanha beleza natural. Começa a tirar os sapatos. Os seus pés, desprovidos de qualquer proteção, pisam a terra rugosa que orgulhosamente circunda a árvore. O seu corpo frágil junta-se à grande preciosidade da natureza e com os braços dá um forte e sentido abraço, parecendo estar a esticá-los ao máximo para que possam tocar-se. Eles não são suficientemente longos, nem as mãos são muito compridas, mas a sua alma grandiosa consegue sentir a união das extremidades dos membros superiores. Os olhos fecham-se e a cabeça encosta-se com carinho, parecendo procurar ouvir os latejos desta antiguidade da natureza. Chega-se a ela e deixa-se estar. Várias sensações percorrem o seu corpo, sentimentos profundos deslizam na superfície da sua pele, umas quantas palpitações energizam os contornos da sua alma e uma revigorização do espírito emana luz pelos seus pensamentos. É a vivência de uma realidade pura, natural, envolvente e segura. A doce donzela está a deixar que o Tempo viaje até si e transforme este dia num templo dedicado a toda a sua vida. Deixando a árvore no lugar dela, não se esquecendo de transportá-la no seu apaixonado coração, decide continuar pelo percurso que para a consciência se rege pela aleatoriedade. Vejo-a a seguir os traços invisíveis das raízes da árvore. Estes são iluminados pela luz do seu rasgado sorriso. Descalça pela terra e de olhar compenetrado recebe uma mensagem intuitiva que acredita na existência de um pequeno espaço que espera por si. Quase parecendo que a intuição transforma a realidade, rapidamente aparece o que foi antecipado. E a suposição e a crença vestem-se de certezas incontornáveis. Está mesmo ali! Ela não hesita. Está a firmar o seu vestido branco, parcialmente floreado, num chão que não parece ter vindo a acompanhar ao longo dos tempos a paisagem assimetricamente chamativa, tal é a forma peculiar que apresenta. Parece ajustar-se à medida da encantadora senhora. Os pés nus assentam no chão, os joelhos direcionam-se para o céu azul e os cotovelos apoiam-se nos mesmos. Que encaixe sublime! O seu olhar indica a seleção do foco de atenção para um novo elemento (não sei se inesperado): um rio. A água é tão límpida e cintilante que mais parece um mar paradisíaco com uma admirável estreita relação de vinculação ao reflexo de um céu estrelado numa noite de luar. Acaba de fechar os olhos, inspira profundamente, expira lentamente e tenta imaginar o que poderá estar na outra margem de um rio que se apresenta infindavelmente extenso e secretamente intenso. O seu corpo está relaxado, a sua mente está a viajar e a paisagem que a rodeia respira em uníssono. A serenidade do rio permite presentear a audição com o bater das asas das borboletas brancas que voam sedutoramente. Até o colibri esverdeado, parando deliberadamente os movimentos das suas asas, pousa elegantemente na mais bela flor (que aguarda por um beijo carinhoso) para deliciar os seus sentidos na harmonia temporal presente. Após algum tempo de meditação neste contexto melodioso natural, ao abrir os olhos, parece-lhe escutar um sussurro que deixa as seguintes palavras plantadas: «as pedras lascadas num caminho escondido são meras lágrimas de um belo sorriso». Curiosa com o enigma, proveniente de uma incerteza certamente entusiasmante, levanta a cabeça e está a ver no rio um caminho feito de pedras. Umas pedras castanhas que parecem pedaços de madeira cuidadosamente cortados e colocados em cima de pedras muito pequenas e informes. Estas últimas sustentam uma ponte invulgar, natural e imperfeitamente construída, quase parecendo uma linha tracejada à espera de ser unida pelas pisadas de um ser feminino amadurecido. Ela levanta-se, aproxima-se e aprecia o trajeto, quando subitamente uma folha corpulenta cai tranquilamente em cima do seu ombro esquerdo. Escrito num formato de recortes, a folha tem uma pequena mensagem: «O caminho da inocência». Parece um título de uma viagem pelo desconhecido. Não poderia ser mais estimulante (e talvez inquietante)! Ela não recua. Segue a passagem que atravessa o rio ou uma ambiência que bem pode ser um corpo em estado líquido que penteia o passadouro. Pedra ante pedra vai dando os seus passinhos de candura, revelando o seu ser de bravura, num caminho que acredita conduzir à felicidade. As pedras parecem magoar a planta do pé, mas a sua vontade suplanta qualquer dor. Quando está quase a chegar à outra margem, numa via que não parece ter fim, vem uma forte rajada de vento. Ele sopra, mas não a faz cambalear. Sente-o como se uma mão forte segurasse suavemente no seu ombro direito e os dedos de outra mão acariciassem os seus longos cabelos. A afetuosidade de mais este elemento natural fá-la levantar a cabeça e os seus olhos veem um foco solar que ofusca parcialmente o terreno da outra margem. As lágrimas estão novamente a cair do seu rosto, como que a brindar o seu olhar em chamas, e um sorriso ainda mais belo e contagiante é esboçado. Ela grita alegremente, «És tu, meu amor?», proferindo uma ordenação de palavras em molde de pergunta cuja resposta não parece querer procurar. Ela, simplesmente, avança. Talvez para o início de uma história inacabada de um amor impossível. Talvez para o início de uma história inacabada de um amor infinito. Talvez para o início de uma história inacabada de um amor atingível. Talvez para o início de uma história inacabada de um amor bonito.

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