O
próximo momento reflexivo é sobre o sedentarismo psicológico ou, se preferirem,
o «sofá psicológico» ou o «sofá dos pensamentos». Não estou a falar da cabeça
confortavelmente apoiada no sofá de casa. Estou a querer introduzir uma
reflexão sobre dois tipos de pensamento: o divergente e o convergente. Este
último é um tipo de pensamento que produz uma resposta comum e, embora possa
assumir caraterísticas válidas, não vai para além das informações
disponibilizadas, conhecidas (que podem provir de pensamentos criativos). O
primeiro já é um ato criativo, original (é novo, diferente, indo para além do
que é conhecido). Não gostava que encarassem estes dois termos como polos
intocáveis, ao ponto de não se aturarem um ao outro. Quero que os vejam como
complementares. Um compromisso de caráter construtivo em que cada qual tem uma
função distinta e basilar. É importante que ambos se complementem.
Teoricamente, estamos a falar de um conservador e organizador – o pensamento
convergente – e um vanguardista e positivamente desconcertante – o pensamento
divergente. Ambos são importantes para o encontro do equilíbrio (embora a
sociedade tenda a polarizar as suas posições, assumindo um caráter extremado ao
nível do conservadorismo ou da vanguarda, ambos impermeáveis a cada um deles –
por vezes a eles próprios, na diferenciação interna). Eu diria que o pensamento
divergente permite criar e o pensamento convergente garante a consolidação. Só
num continuum entre criação e
consolidação é que podemos pensar numa evolução consistente, coerente e
inovadora. A sociedade ocidental, pelo caráter teórico das suas reflexões e
filosofias, limita-se às visões dicotómicas cujos extremos não se tocam, mas a
crescente globalização permite-nos perceber, através da abertura e do acesso a
outros estados de alma e culturas pensantes, que, por exemplo, a
sociedade/filosofia oriental, através de um ponto de vista mais
teórico-prático, encara e transforma a diferença em oportunidades de ligação
complementar. Entendamos, assim, a oposição como um aliado forte da
complementaridade (num apelo claro à valorização da diversidade como fator
equilibrador).
Pelo que foi enaltecido no final do parágrafo
anterior, talvez seja mais fácil aceitar que idealmente não deve haver o «bom»
e o «mau». É uma adjetivação que não encara em si mesma um caráter construtivo.
Aliás, há um juízo de valor inerente, que mina, à partida, o pensamento
construtor que possamos estar a criar. O que devemos fazer é dar uso a ambos os
tipos de pensamento numa proporção e frequência q.b. (sem caráter limitativo, apenas equilibrador), considerando
sempre as várias variáveis contextuais e temporais que podem condicioná-los
(por exemplo, históricas, sociais e relacionais). Tendemos a atribuir o «bom» e
o «mau» a um e a outro, dependendo das fações. A sua radicalização leva a que
as mensagens se tornem ineficazes ou geradoras de intolerância, nalgumas vezes
sob formas de agressividade. Acabam por avocar posturas impositivas, altivas e
arrogantes. O ponto de equilíbrio é aquele em que todos os intervenientes se
sentem respeitados intelectual e psicologicamente (logo, não violentados a este
nível). Quando contactamos com o mundo real vemos sistematicamente atropelos
aos direitos fundamentais das pessoas no que se refere à expressão livre dos
seus pensamentos. Há mesmo um descarado preconceito que evolui nalguns casos
para fenómenos discriminatórios. No geral, e em termos práticos, há uma
tendência maior em valorizar os pensamentos convergentes face aos pensamentos
divergentes, pois estes últimos são sempre vistos com alguma desconfiança (e o
desconhecido acaba por assustar e gerar medos). Há uma apologia quase cega ao
lado mais conservador. Ora, a minha tese não pretende contra-atacar esta visão,
mas antes desconstruí-la para ajudar a (re)construir uma visão mais harmoniosa.
«Se não me contrariares estás a
pensar bem!»
Gostaria
de viver numa sociedade em que «pensar bem» não fosse pensar da mesma maneira.
Os nossos (sublinhem a palavra escrita antes do parêntesis de abertura)
pensamentos vivem demasiado tempo num espaço cinzento, com saídas precárias
nalguns casos. Tão precárias que até damos por nós a pensar se não será melhor
viver no «conforto» para sempre e evitar essa escassez de saídas (dado que são
tão desvalorizadas). Por favor, escutem e usem a voz da diferença, pois só com
essa base é que começaremos a questionar e a explorar o conhecimento que vive
para além do mundo habitual. Saiam mais vezes da linha imposta, mesmo que vos
apelidem de infratores…
«Ele é um excelente
comunicador! Fala tão bem! Tem toda a razão! E não tem papas na língua!»
Uma boa comunicação (e, propositadamente, não
estou a utilizar a expressão «bom comunicador», pois só se é bom comunicador
quando se adota uma boa comunicação) é aquela que irradia um discurso claro,
aberto, respeitador, desafiador e não interesseiro, cuja forma e conteúdo
culminam num brilho naturalmente encantador. Discursos «redondos» que albergam
simplesmente palavras bonitas ou atraentes (isto é, com a ausência de um «real»
conteúdo – um vazio) são apenas falácias comunicacionais que se alimentam de
recetores humanos em modo «ausente» ou em modo «gravação automática» (para mais
tarde papaguear). São estes estados apáticos (os modos referidos dos recetores
de mensagem) que devem preocupar-nos. São hábitos passados de gerações em
gerações que programam o nosso cérebro para a livre expressão dos pensamentos
dos outros ou, por outras palavras, o aprisionamento dos nossos pensamentos em
prol das análises deliberadamente manipuladoras de algumas pessoas que querem
que todos nós possamos criar um sentido comum que encaixe nas manobras que as
levarão a mais facilmente atingir as suas poderosas ambições. Pensamentos mais
conservadores, outros mais vanguardistas, outros tão incompreensíveis que só
podem ser «ultravanguardistas» dignos de um grande pensador! Por favor, não se
sedentarizem, não se acomodem e não permitam que a opinião mediática revista a
vossa massa pensante com uma película absolutamente hermética…
«Que frase tão bonita! Vou
publicá-la na minha rede social. De certeza que vão gostar!»
«Copiar» e «colar» pode ser um meio de
reflexão, mas não deve substitui-la. O pensamento divergente, potenciador de
mudança e de uma evolução mais irresponsavelmente desejada, provém do treino
sistemático da reflexão e da crítica social, da autocrítica, da análise das
críticas que nos são dirigidas direta e indiretamente (principalmente aquelas
que nos ajudam a olhar para dentro de nós próprios, mesmo que implique algum
grau de sofrimento), e do enquadramento destes momentos nas vivências e nas
dinâmicas sociais. Temos que almejar a conquista de pensamentos divergentes e
acionar os mecanismos de arranque para (re)aprendermos a utilizá-los. A criança
que habitou (ou que ainda habita) dentro de nós não aprendeu a empregá-los ou
adormeceu depois de aprender. Por favor, estimulem e exercitem as vossas
conexões neuronais. Basicamente, pensemos….
«Não tenho idade para essas
coisas! (…) Não tenho tempo! (…) Eu faço muito isso! (…) Não vou conseguir
mudar o mundo. Nem tu! (…) Não há nada para criar, já está tudo inventado! (…)
Lá vens tu com as tuas manias de mudar o mundo! (…) Estou tão bem no meu canto!
Vou agora trabalhar para os outros? Nem pensar!” (…) E tenho uma mente muito
aberta! (…) Quem precisa disso é ele! Não sou eu! (…) Eu sou assim e sempre
fui. Tu é que estás mal! Já reparaste? (…) Tu és o culpado! Tens que mudar
isso! Não se pode repetir!»
No
conforto dos nossos «sofás psicológicos» tendemos a responsabilizar os outros
de todos os efeitos que não são bem-vindos e bem-vistos. Desculpem, vou
reformular. No conforto dos nossos «sofás psicológicos» tendemos a culpabilizar
os outros (ou a desculpabilizar-nos de forma pouco criativa) de todos os
efeitos que não são bem-vindos e bem-vistos. Afinal, nós somos seres perfeitos,
sabemos e fazemos tudo de acordo com o «correto», certo? Os outros é que falham
imenso e resistem à mudança! Ou nada disto é verdade. Desculpem o abuso, mas,
sem assumir o caráter absolutista, vou concordar com a última frase porque
todos temos que assumir as responsabilidades e só assim conseguiremos agir
responsavelmente. Nos acontecimentos da vida que devem ser alvo de análise não
somos unicamente responsáveis, nem os outros são os únicos que devem acarretar
as responsabilidades. Com este simples princípio, conseguimos partir para a
resolução dos problemas ou desafios com mais maturidade e sabedoria. Esse facto
eleva o compromisso que temos connosco próprios, com os outros e com a
sociedade. Temos que nos comprometer, não nos podemos descartar de nada (mesmo
sendo fácil arranjar desculpas, mentiras e culpados) e não devemos deixar que
os outros também o façam. O mundo alicerçado desta forma não amedronta as
crianças e os jovens – futuros adultos – na exposição das suas ideias, das suas
vontades e necessidades. Neste novo paradigma eliminaríamos a pergunta que a
criança cria: «Posso sair?» (numa referência ao seu genuíno pensamento, até
então enclausurado). Desta forma, sairia sem receio. Mas, mesmo que essa
pergunta assolasse o seu pensamento todos diríamos convictamente: «Podes sair. Quero escutar o que tens para
me dizer. Garanto-te que estás a pensar bem, convergindo ou divergindo da minha
forma de pensar sobre essa temática ou situação. Mas, desafio-te a desafiares o
teu pensamento porque eu também vou desafiá-lo (ao teu, ao meu e ao nosso)». Por
favor, abasteçam diariamente a vossa vida com compromissos conjuntos de
partilha genuína, reflexão autêntica e ação criativa e construtiva, assumindo a
co-construção da realidade numa base de respeito vitalício pelos outros atores
e autores sociais. Encarem como uma proposta alternativa para a sociedade, da
qual todos fazemos parte, que pretende humanizá-la, unindo-a na diversidade e
autenticidade, com pilares sólidos como o respeito e a aventura da
experimentação da cultura do outro.
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