sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Posso sair?




O próximo momento reflexivo é sobre o sedentarismo psicológico ou, se preferirem, o «sofá psicológico» ou o «sofá dos pensamentos». Não estou a falar da cabeça confortavelmente apoiada no sofá de casa. Estou a querer introduzir uma reflexão sobre dois tipos de pensamento: o divergente e o convergente. Este último é um tipo de pensamento que produz uma resposta comum e, embora possa assumir caraterísticas válidas, não vai para além das informações disponibilizadas, conhecidas (que podem provir de pensamentos criativos). O primeiro já é um ato criativo, original (é novo, diferente, indo para além do que é conhecido). Não gostava que encarassem estes dois termos como polos intocáveis, ao ponto de não se aturarem um ao outro. Quero que os vejam como complementares. Um compromisso de caráter construtivo em que cada qual tem uma função distinta e basilar. É importante que ambos se complementem. Teoricamente, estamos a falar de um conservador e organizador – o pensamento convergente – e um vanguardista e positivamente desconcertante – o pensamento divergente. Ambos são importantes para o encontro do equilíbrio (embora a sociedade tenda a polarizar as suas posições, assumindo um caráter extremado ao nível do conservadorismo ou da vanguarda, ambos impermeáveis a cada um deles – por vezes a eles próprios, na diferenciação interna). Eu diria que o pensamento divergente permite criar e o pensamento convergente garante a consolidação. Só num continuum entre criação e consolidação é que podemos pensar numa evolução consistente, coerente e inovadora. A sociedade ocidental, pelo caráter teórico das suas reflexões e filosofias, limita-se às visões dicotómicas cujos extremos não se tocam, mas a crescente globalização permite-nos perceber, através da abertura e do acesso a outros estados de alma e culturas pensantes, que, por exemplo, a sociedade/filosofia oriental, através de um ponto de vista mais teórico-prático, encara e transforma a diferença em oportunidades de ligação complementar. Entendamos, assim, a oposição como um aliado forte da complementaridade (num apelo claro à valorização da diversidade como fator equilibrador).                
  Pelo que foi enaltecido no final do parágrafo anterior, talvez seja mais fácil aceitar que idealmente não deve haver o «bom» e o «mau». É uma adjetivação que não encara em si mesma um caráter construtivo. Aliás, há um juízo de valor inerente, que mina, à partida, o pensamento construtor que possamos estar a criar. O que devemos fazer é dar uso a ambos os tipos de pensamento numa proporção e frequência q.b. (sem caráter limitativo, apenas equilibrador), considerando sempre as várias variáveis contextuais e temporais que podem condicioná-los (por exemplo, históricas, sociais e relacionais). Tendemos a atribuir o «bom» e o «mau» a um e a outro, dependendo das fações. A sua radicalização leva a que as mensagens se tornem ineficazes ou geradoras de intolerância, nalgumas vezes sob formas de agressividade. Acabam por avocar posturas impositivas, altivas e arrogantes. O ponto de equilíbrio é aquele em que todos os intervenientes se sentem respeitados intelectual e psicologicamente (logo, não violentados a este nível). Quando contactamos com o mundo real vemos sistematicamente atropelos aos direitos fundamentais das pessoas no que se refere à expressão livre dos seus pensamentos. Há mesmo um descarado preconceito que evolui nalguns casos para fenómenos discriminatórios. No geral, e em termos práticos, há uma tendência maior em valorizar os pensamentos convergentes face aos pensamentos divergentes, pois estes últimos são sempre vistos com alguma desconfiança (e o desconhecido acaba por assustar e gerar medos). Há uma apologia quase cega ao lado mais conservador. Ora, a minha tese não pretende contra-atacar esta visão, mas antes desconstruí-la para ajudar a (re)construir uma visão mais harmoniosa.
        
«Se não me contrariares estás a pensar bem!»
Gostaria de viver numa sociedade em que «pensar bem» não fosse pensar da mesma maneira. Os nossos (sublinhem a palavra escrita antes do parêntesis de abertura) pensamentos vivem demasiado tempo num espaço cinzento, com saídas precárias nalguns casos. Tão precárias que até damos por nós a pensar se não será melhor viver no «conforto» para sempre e evitar essa escassez de saídas (dado que são tão desvalorizadas). Por favor, escutem e usem a voz da diferença, pois só com essa base é que começaremos a questionar e a explorar o conhecimento que vive para além do mundo habitual. Saiam mais vezes da linha imposta, mesmo que vos apelidem de infratores…

«Ele é um excelente comunicador! Fala tão bem! Tem toda a razão! E não tem papas na língua!»   
 Uma boa comunicação (e, propositadamente, não estou a utilizar a expressão «bom comunicador», pois só se é bom comunicador quando se adota uma boa comunicação) é aquela que irradia um discurso claro, aberto, respeitador, desafiador e não interesseiro, cuja forma e conteúdo culminam num brilho naturalmente encantador. Discursos «redondos» que albergam simplesmente palavras bonitas ou atraentes (isto é, com a ausência de um «real» conteúdo – um vazio) são apenas falácias comunicacionais que se alimentam de recetores humanos em modo «ausente» ou em modo «gravação automática» (para mais tarde papaguear). São estes estados apáticos (os modos referidos dos recetores de mensagem) que devem preocupar-nos. São hábitos passados de gerações em gerações que programam o nosso cérebro para a livre expressão dos pensamentos dos outros ou, por outras palavras, o aprisionamento dos nossos pensamentos em prol das análises deliberadamente manipuladoras de algumas pessoas que querem que todos nós possamos criar um sentido comum que encaixe nas manobras que as levarão a mais facilmente atingir as suas poderosas ambições. Pensamentos mais conservadores, outros mais vanguardistas, outros tão incompreensíveis que só podem ser «ultravanguardistas» dignos de um grande pensador! Por favor, não se sedentarizem, não se acomodem e não permitam que a opinião mediática revista a vossa massa pensante com uma película absolutamente hermética…

«Que frase tão bonita! Vou publicá-la na minha rede social. De certeza que vão gostar!»      
 «Copiar» e «colar» pode ser um meio de reflexão, mas não deve substitui-la. O pensamento divergente, potenciador de mudança e de uma evolução mais irresponsavelmente desejada, provém do treino sistemático da reflexão e da crítica social, da autocrítica, da análise das críticas que nos são dirigidas direta e indiretamente (principalmente aquelas que nos ajudam a olhar para dentro de nós próprios, mesmo que implique algum grau de sofrimento), e do enquadramento destes momentos nas vivências e nas dinâmicas sociais. Temos que almejar a conquista de pensamentos divergentes e acionar os mecanismos de arranque para (re)aprendermos a utilizá-los. A criança que habitou (ou que ainda habita) dentro de nós não aprendeu a empregá-los ou adormeceu depois de aprender. Por favor, estimulem e exercitem as vossas conexões neuronais. Basicamente, pensemos….

«Não tenho idade para essas coisas! (…) Não tenho tempo! (…) Eu faço muito isso! (…) Não vou conseguir mudar o mundo. Nem tu! (…) Não há nada para criar, já está tudo inventado! (…) Lá vens tu com as tuas manias de mudar o mundo! (…) Estou tão bem no meu canto! Vou agora trabalhar para os outros? Nem pensar!” (…) E tenho uma mente muito aberta! (…) Quem precisa disso é ele! Não sou eu! (…) Eu sou assim e sempre fui. Tu é que estás mal! Já reparaste? (…) Tu és o culpado! Tens que mudar isso! Não se pode repetir!»
No conforto dos nossos «sofás psicológicos» tendemos a responsabilizar os outros de todos os efeitos que não são bem-vindos e bem-vistos. Desculpem, vou reformular. No conforto dos nossos «sofás psicológicos» tendemos a culpabilizar os outros (ou a desculpabilizar-nos de forma pouco criativa) de todos os efeitos que não são bem-vindos e bem-vistos. Afinal, nós somos seres perfeitos, sabemos e fazemos tudo de acordo com o «correto», certo? Os outros é que falham imenso e resistem à mudança! Ou nada disto é verdade. Desculpem o abuso, mas, sem assumir o caráter absolutista, vou concordar com a última frase porque todos temos que assumir as responsabilidades e só assim conseguiremos agir responsavelmente. Nos acontecimentos da vida que devem ser alvo de análise não somos unicamente responsáveis, nem os outros são os únicos que devem acarretar as responsabilidades. Com este simples princípio, conseguimos partir para a resolução dos problemas ou desafios com mais maturidade e sabedoria. Esse facto eleva o compromisso que temos connosco próprios, com os outros e com a sociedade. Temos que nos comprometer, não nos podemos descartar de nada (mesmo sendo fácil arranjar desculpas, mentiras e culpados) e não devemos deixar que os outros também o façam. O mundo alicerçado desta forma não amedronta as crianças e os jovens – futuros adultos – na exposição das suas ideias, das suas vontades e necessidades. Neste novo paradigma eliminaríamos a pergunta que a criança cria: «Posso sair?» (numa referência ao seu genuíno pensamento, até então enclausurado). Desta forma, sairia sem receio. Mas, mesmo que essa pergunta assolasse o seu pensamento todos diríamos convictamente: «Podes sair. Quero escutar o que tens para me dizer. Garanto-te que estás a pensar bem, convergindo ou divergindo da minha forma de pensar sobre essa temática ou situação. Mas, desafio-te a desafiares o teu pensamento porque eu também vou desafiá-lo (ao teu, ao meu e ao nosso)». Por favor, abasteçam diariamente a vossa vida com compromissos conjuntos de partilha genuína, reflexão autêntica e ação criativa e construtiva, assumindo a co-construção da realidade numa base de respeito vitalício pelos outros atores e autores sociais. Encarem como uma proposta alternativa para a sociedade, da qual todos fazemos parte, que pretende humanizá-la, unindo-a na diversidade e autenticidade, com pilares sólidos como o respeito e a aventura da experimentação da cultura do outro.         

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