Um
relacionamento amoroso fica manchado quando assiduamente há mentiras. É um mau
exemplo para o futuro da relação, uma má prática para o presente da mesma e uma
péssima recordação que fica marcada no passado (cujo significado atribuído pode
atormentar bastante o quotidiano). Traz problemas sérios para a felicidade que
o casal tanto deseja e pode comprometer a continuidade da relação. Aliás,
nalguns casos, há laços relacionais que são cortados (isto é, surgem ruturas
relacionais) por atos diários de mentiras e omissões, desvendados
posteriormente, e as pessoas tendem a não aprender com estes erros grosseiros,
mantendo-os na relação que vigora e transportando-os para as relações futuras.
É um hábito de dizer, diariamente, «Hoje é o dia das mentiras!». Com estas
práticas enraizadas, o outro cansa-se e a relação desgasta-se (e, por vezes,
esgota-se). São as mentiras e o vírus das desculpas (ou justificações)
sistemáticas dos atos mentirosos, quando são admitidos. Porém, algumas vezes o
surgimento ou a manutenção destes atos não verdadeiros são consequência de uma
ausência de abertura do outro para que a verdade entre naturalmente na relação
(ou, noutras ocasiões, esta ausência encoraja o hábito). Passo a explicar. Em
primeiro lugar, quero dizer, para que fique claro, que a mentira não é um
ingrediente útil para os dias que passamos na vivência privilegiada com a
pessoa que amamos. Em segundo lugar, o que de seguida vou dizer não pretende
justificar a mentira na relação, nem incentivá-la, nem desculpabilizar ou culpabilizar
alguém. Assim, em terceiro e último lugar, passo a explicar o que significa a
«abertura do outro para que a verdade entre naturalmente na relação»: se é
incontestável que ambos os elementos de uma relação devem semear a verdade no
projeto comum de vida (o maior número de vezes possível), também é
inquestionável a pertinência da abertura ao diálogo, para que se procedam as
negociações (e cedências) fundamentais a um desenvolvimento equilibrado da
relação amorosa. A imposição de regras, a intransigência face à forma de cada
um ver a relação no presente e no futuro (e, nalguns casos, acrescendo os
resquícios de um passado indesejado), o julgamento de vontades e opiniões, a
falta de clarificação no projeto de vida comum (e o desrespeito neste jogo negocial),
entre outra situações que indicam um fechamento ao outro e um exacerbar da
afirmação das convicções e expetativas próprias, deixam uma porta aberta para
as mentiras e/ou dificultam a entrada de algumas verdades. É que, muitas vezes,
as mentiras surgem porque as pessoas que as usam têm medo das consequências de
uma verdade, que se materializam (as consequências), por exemplo, em discussões
repetitivas e culpabilizantes (que trazem à tona os defeitos do outro e os
erros do passado), em julgamentos em «praça privada» (que magoam demasiado o
coração), e em ameaças assustadoras (que comprometem a livre circulação do
outro pela via das suas vontades). Assim, só num elevado grau de compromisso,
abertura e dedicação à relação, com a dimensão da confiança marcadamente
presente e um conjunto de competências bem trabalhadas da categoria «pôr-se na
pele do outro», é que mais facilmente se consegue negociar o que se quer para
cada uma das individualidades e para o relacionamento de ambos. Evitar-se-ão
conflitos severos de incompreensão e intolerância e cultivar-se-á a verdade na
relação. Contudo, não posso deixar de fazer um aparte relativamente ao medo dos
conflitos e ao evitamento dos mesmos, afirmando que as discussões sem cariz
atordoante são oportunidades essenciais ao ajustamento relacional, pelo que
devemos encará-las com maturidade (logo, não é razoável fugirmos de todo o tipo
de discussões). Como se vê, mais do que culpados, devemos procurar as
responsabilidades que cada um tem dentro de um relacionamento. Numa análise
simplista, poder-se-ia dizer qualquer coisa como o seguinte: «Se queres
garantir a verdade na relação, não mintas!». Não questionando a essência desta
última afirmação, por ser verdadeira, diria que não está completa, pelas razões
já apresentadas. Por exemplo, se vivermos num regime autoritarista e soubermos
que a nossa opinião, por sinal contrária, pode ter consequências graves para a
nossa vida (e de quem nos rodeia), o que fazemos? Por norma, temos medo das
consequências e «protegemo-nos» com a mentira e a omissão. Por isso, para
evitar este medo, e as consequências presentes e/ou expectáveis, aliem-se ao
outro, num trabalho verdadeiramente conjunto, com liberdade de ação e sem
posições fundamentalistas, para edificarem uma relação que permita no «dia das
mentiras» rirem-se às gargalhadas com as partidas que decidirem concretizar e
nos outros dias manifestarem a vossa alegria pela harmonia vivida e sentida no
vosso relacionamento, pela verdade que permanece na relação. Sentirmo-nos
livres, darmos liberdade ao outro e criarmos espaços abertos de discussão e de
negociação na nossa relação, são passos fundamentais para a verdade na relação
e são gestos de confiança essenciais. Para terminar, como complemento do que
foi dito, se esse espaço for desrespeitado, encarado como uma oportunidade de
mentir, nesse caso é urgente pensar sobre o que se está a fazer e o que se quer
para o futuro da relação. Se o outro exigir uma mudança (substituir as mentiras
pelas verdades), tendo toda a legitimidade para tal, procure implementá-la com
demonstrações comportamentais sólidas e não com palavras em formato de promessa
que rapidamente se transformam num «vira o disco e toca o mesmo», insuportável
e insustentável para uma relação que pretende durar na linha do tempo em estado
jovial (um estado que emana energia positiva).
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