quarta-feira, 1 de abril de 2015

As tuas mentiras do dia-a-dia





Um relacionamento amoroso fica manchado quando assiduamente há mentiras. É um mau exemplo para o futuro da relação, uma má prática para o presente da mesma e uma péssima recordação que fica marcada no passado (cujo significado atribuído pode atormentar bastante o quotidiano). Traz problemas sérios para a felicidade que o casal tanto deseja e pode comprometer a continuidade da relação. Aliás, nalguns casos, há laços relacionais que são cortados (isto é, surgem ruturas relacionais) por atos diários de mentiras e omissões, desvendados posteriormente, e as pessoas tendem a não aprender com estes erros grosseiros, mantendo-os na relação que vigora e transportando-os para as relações futuras. É um hábito de dizer, diariamente, «Hoje é o dia das mentiras!». Com estas práticas enraizadas, o outro cansa-se e a relação desgasta-se (e, por vezes, esgota-se). São as mentiras e o vírus das desculpas (ou justificações) sistemáticas dos atos mentirosos, quando são admitidos. Porém, algumas vezes o surgimento ou a manutenção destes atos não verdadeiros são consequência de uma ausência de abertura do outro para que a verdade entre naturalmente na relação (ou, noutras ocasiões, esta ausência encoraja o hábito). Passo a explicar. Em primeiro lugar, quero dizer, para que fique claro, que a mentira não é um ingrediente útil para os dias que passamos na vivência privilegiada com a pessoa que amamos. Em segundo lugar, o que de seguida vou dizer não pretende justificar a mentira na relação, nem incentivá-la, nem desculpabilizar ou culpabilizar alguém. Assim, em terceiro e último lugar, passo a explicar o que significa a «abertura do outro para que a verdade entre naturalmente na relação»: se é incontestável que ambos os elementos de uma relação devem semear a verdade no projeto comum de vida (o maior número de vezes possível), também é inquestionável a pertinência da abertura ao diálogo, para que se procedam as negociações (e cedências) fundamentais a um desenvolvimento equilibrado da relação amorosa. A imposição de regras, a intransigência face à forma de cada um ver a relação no presente e no futuro (e, nalguns casos, acrescendo os resquícios de um passado indesejado), o julgamento de vontades e opiniões, a falta de clarificação no projeto de vida comum (e o desrespeito neste jogo negocial), entre outra situações que indicam um fechamento ao outro e um exacerbar da afirmação das convicções e expetativas próprias, deixam uma porta aberta para as mentiras e/ou dificultam a entrada de algumas verdades. É que, muitas vezes, as mentiras surgem porque as pessoas que as usam têm medo das consequências de uma verdade, que se materializam (as consequências), por exemplo, em discussões repetitivas e culpabilizantes (que trazem à tona os defeitos do outro e os erros do passado), em julgamentos em «praça privada» (que magoam demasiado o coração), e em ameaças assustadoras (que comprometem a livre circulação do outro pela via das suas vontades). Assim, só num elevado grau de compromisso, abertura e dedicação à relação, com a dimensão da confiança marcadamente presente e um conjunto de competências bem trabalhadas da categoria «pôr-se na pele do outro», é que mais facilmente se consegue negociar o que se quer para cada uma das individualidades e para o relacionamento de ambos. Evitar-se-ão conflitos severos de incompreensão e intolerância e cultivar-se-á a verdade na relação. Contudo, não posso deixar de fazer um aparte relativamente ao medo dos conflitos e ao evitamento dos mesmos, afirmando que as discussões sem cariz atordoante são oportunidades essenciais ao ajustamento relacional, pelo que devemos encará-las com maturidade (logo, não é razoável fugirmos de todo o tipo de discussões). Como se vê, mais do que culpados, devemos procurar as responsabilidades que cada um tem dentro de um relacionamento. Numa análise simplista, poder-se-ia dizer qualquer coisa como o seguinte: «Se queres garantir a verdade na relação, não mintas!». Não questionando a essência desta última afirmação, por ser verdadeira, diria que não está completa, pelas razões já apresentadas. Por exemplo, se vivermos num regime autoritarista e soubermos que a nossa opinião, por sinal contrária, pode ter consequências graves para a nossa vida (e de quem nos rodeia), o que fazemos? Por norma, temos medo das consequências e «protegemo-nos» com a mentira e a omissão. Por isso, para evitar este medo, e as consequências presentes e/ou expectáveis, aliem-se ao outro, num trabalho verdadeiramente conjunto, com liberdade de ação e sem posições fundamentalistas, para edificarem uma relação que permita no «dia das mentiras» rirem-se às gargalhadas com as partidas que decidirem concretizar e nos outros dias manifestarem a vossa alegria pela harmonia vivida e sentida no vosso relacionamento, pela verdade que permanece na relação. Sentirmo-nos livres, darmos liberdade ao outro e criarmos espaços abertos de discussão e de negociação na nossa relação, são passos fundamentais para a verdade na relação e são gestos de confiança essenciais. Para terminar, como complemento do que foi dito, se esse espaço for desrespeitado, encarado como uma oportunidade de mentir, nesse caso é urgente pensar sobre o que se está a fazer e o que se quer para o futuro da relação. Se o outro exigir uma mudança (substituir as mentiras pelas verdades), tendo toda a legitimidade para tal, procure implementá-la com demonstrações comportamentais sólidas e não com palavras em formato de promessa que rapidamente se transformam num «vira o disco e toca o mesmo», insuportável e insustentável para uma relação que pretende durar na linha do tempo em estado jovial (um estado que emana energia positiva).                                 

         

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